Este é o blog do NEBA - Núcleo de Estudos Brasil-África, grupo de pesquisadores que se reune no Centro de Filosofia e Ciências Humanas - CFCH, na Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Narrativas África/Brasil: história e literatura (esboços)
Fabiana Móes Miranda
Canto de uma escrava
Malan
Eu era uma triste escrava,
Ai! E que bem triste escrava,
Que vinha para embarcar
O meu senhor vestiu-me
E zangado batia-me
Com ramo de coral;
E pensava-me as chagas
Co’o mais doce licor;
E limpava-me as f’ridas
Com lenço de cambaria
E eu era triste escrava
Que vinha para embarcar
- que bem ba par bàe.
Os estudos da história africana têm aberto caminhos para que se discutam as complexidades dos povos africanos e nos ajuda a refletir situações em nosso próprio processo sociocultural por outro viés que não apenas o do “civilizador”. Como não poderia deixar de ser, muitas pesquisas e estudos têm seguido o caminho aberto para a inserção desta disciplina e os estudos literários também procuram encontrar o seu “lugar”.
Entretanto, tenho observado em alguns encontros e simpósios, em que tive a oportunidade de comparecer, que existem ainda muitas lacunas entre o que é estudado (representação) e a realidade (compreensão). No atual momento histórico temos a oportunidade de intercambiar experiências com alunos vindos do continente africano e que podem contribuir com sua “voz” ou o seu “grito” para que possamos chegar a uma África maior (que até mesmo nos mapas geográficos outrora foi reduzida e esmagada). Vou colocar aqui algumas questões que observei e que, posteriormente, podem ser mais bem discutidas por estudiosos mais qualificados:
a)Parece que há um lugar vazio (e não um “entre-lugar”) entre a história da África e a história dos negros no Brasil.
b)Nos próprios estudos literários os caminhos para chegar à África são muitos e podem trazer excelentes desafios ao crítico e/ou professor de literatura.
Por enquanto, fico nestas duas questões, que já são bastante abrangentes. Vou examiná-las pelo elo da narrativa, que se torna comum à história e à literatura. Freqüentemente, pode-se escutar dos alunos de origem africana com se colocam reticentes contra muitas idéias que partem dos afro-descendentes (ou outros grupos) no Brasil. Uma das ressalvas sempre levantadas é sobre a “romantização” de uma África por parte dos brasileiros, numa espécie de busca por raízes ou outra forma de representação social e cultural que não seja a do “colonizador”. Também é certo que não podemos negar este discurso de legitimação por parte dos grupos que querem encontrar na identidade africana uma identidade de resistência e luta (a questão da democracia racial e suas formas de inclusão social ficam de lado, por enquanto). Mas, a África não é uma, mas é múltipla em todos os sentidos - até mesmo étnicos - (há uma África branca, muçulmana, socialista, etc.). Para o povo brasileiro não se pode “retornar” para a África, mas recebê-la em sua diversidade e aprender a ouvir, o resgate que podemos fazer é que pode abrir portas e janelas para o diálogo.
No ensino de literatura, a narrativa não é diferente, tentamos “resgatar” as Áfricas no contexto também lingüístico e pela recepção da literatura brasileira em terra africana de colonização portuguesa. Há diversos estudos literários que tratam desde as diásporas africanas até estruturas dos textos de autores africanos. Para estes estudos as possibilidades são riquíssimas, pois é necessário “reinventar” formas de ver as concepções críticas tradicionais e confrontá-las com métodos não previstos e que são as singularidades destas literaturas. Podemos citar a oralidade, os crioulismos e formas inusitadas de narrativas/cantos (como as mornas de Cabo Verde). Não se pode enquadrar a literatura africana apenas com mais uma literatura de língua portuguesa - como lembrou um aluno de Cabo Verde, aquilo que está escrito em forma de romance é também a história recente de seu povo.
É neste ponto em que as narrativas históricas e literárias se encontram e podem ser confrontadas com a recepção que agora ocorre de forma inversa, ou seja, como os brasileiros estão recebendo e tratando a África em sua terra, desta vez não como mão-de-obra explorada, mas como uma diversidade de nações, culturas, idiomas. Não podemos querer apenas a África com suas representações “orientais” e exóticas, pois muitos países africanos procuram representações no ocidente, para se reestruturarem economicamente e politicamente, depois de tantas intervenções imperialistas.
Espero que outras vozes possam contribuir neste começo de diálogo.
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